NOTA PÚBLICA DE ESCLARECIMENTO
DO COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO SÃO FRANCISCO
Diante das constantes manifestações do Ministro Ciro Gomes,
envolvendo o nome e as decisões do Comitê da Bacia
Hidrográfica do Rio São Francisco e a utilização do Plano de
Recursos Hídricos da Bacia para justificar a realização do
projeto de transposição, torna-se necessário:
• Contraditar as suas afirmativas e insinuações de que o
Comitê aprovou o projeto de transposição defendido pelo
Governo Federal.
• Declarar que tais afirmações transmitem à Nação Brasileira
a falsa idéia de que o projeto conta com o apoio do Comitê,
o que significa desacreditar esse organismo junto à
sociedade civil, usuários e poderes públicos da bacia.
1. Real decisão do Comitê
• Fazendo uso de suas prerrogativas legais, definidas na
"Lei das Águas" (Lei 9.433/97), o Comitê definiu que as
prioridades de uso das águas do rio São Francisco, como
insumo produtivo, é o atendimento às demandas internas da
bacia, não autorizando o seu uso para transposições com fins
econômicos, como é o caso do atual projeto do Governo
Federal, em particular, no que se refere ao eixo norte.
• Solidário com o povo nordestino que sofre com a seca no
semi-árido, o Comitê aprovou o uso externo das águas do rio
São Francisco para abastecimento humano e dessedentação
animal, em situações de escassez comprovada.
• No entendimento do CBHSF, o atual projeto de transposição,
particularmente o eixo norte, é essencialmente um projeto de
interesse econômico, sendo apenas uma pequena parcela das
águas, em valor bastante inferior a 26 m3/s, destinada ao
consumo humano e animal.
• O Plenário do CBHSF, respaldado em estudos técnicos e em
amplas consultas públicas em todos os Estados da Bacia,
rejeitou
categoricamente, em várias ocasiões, o atual projeto de
transposição, em particular o eixo Norte.
• O Plano de Recursos Hídricos da Bacia, ao contrário do que
divulga o Ministério, deixa claro que o atual projeto de
transposição trará prejuízos e sérias restrições ao
desenvolvimento futuro da bacia, com perspectiva de
esgotamento da disponibilidade hídrica para usos consuntivos
(vazão que pode ser retirada do rio) em um horizonte de 20
anos, constituindo-se, portanto, em um projeto de
transferência de emprego e renda.
2. Atropelo legal e institucional e Outorga Preventiva
A Diretoria do CBHSF informa à Nação Brasileira que, longe
de agir de forma democrática e legal, o Governo Federal tem
atropelado os princípios do Sistema Nacional de
Gerenciamento de Recursos Hídricos e as competências legais
do Comitê e o Plano de Recursos Hídricos da Bacia, definidas
na Lei da Águas (Lei 9433), contando para isso com a
aquiescência de todas as instâncias do MMA relacionadas à
gestão dos recursos hídricos e ao licenciamento ambiental do
empreendimento.
• Apesar da Lei 9433/97 e das Resoluções do CNRH serem
claras ao definir que a concessão de outorgas deve respeitar
as prioridades e critérios definidos nos Planos de Recursos
Hídricos da Bacia (Art.13 da Lei da Águas), a Agência
Nacional de Águas concedeu outorga para o atual projeto de
transposição, em franco desrespeito às decisões contidas no
Plano da Bacia do rio São Francisco, uma vez que permite a
retirada de águas até a vazão máxima diária de 114,3 m3/s,
para todos tipos de usos, inclusive irrigação.
• Afirmar que os 26 m3/s são destinados ao consumo humano,
considerando apenas as demandas projetadas até o ano 2025
sem
descontar a disponibilidade de água já existente na região
receptora, é apenas uma manobra para esconder a real
utilização econômica destas águas. Esta afirmativa é
desmentida pela própria outorga preventiva (Art. 1º,
parágrafo 2º) que reconhece que não há demanda desta ordem
de grandeza e autoriza o uso dos 26 m3/s para finalidades
econômicas, "enquanto a demanda real for inferior à demanda
projetada".
• Não corresponde à verdade a afirmativa, freqüentemente
vinculada pelo MI e pelo próprio Ministro, de que a retirada
de água acima dos 26 m3/s se dará apenas quando Sobradinho
estiver vertendo. A outorga preventiva, concedida pela ANA,
autoriza a retirada sempre que o nível da barragem de
Sobradinho estiver acima do volume de espera de cheias o
que, na maior parte do ano, está bem abaixo do nível de
vertimento. Assim, divulga-se para a nação brasileira que se
vai retirar água para usos econômicos apenas quando a
barragem estiver sangrando mas, esta não é a realidade, pois
a retirada está autorizada para situações em que o
reservatório não estiver cheio.
3. Real impacto da vazão destinada à transposição
As constantes afirmativas de que se vai retirar apenas 1%
das águas que perdidas para o mar, constituem grosseira
manipulação da
realidade:
• Escondem o fato de que cerca de 80% das águas do rio São
Francisco estão reservadas para a geração de energia
elétrica que garante o desenvolvimento, a qualidade de vida
e a segurança energética do Nordeste. O cálculo de 1% é
inadequado, pois toma por base a vazão média histórica que
não corresponde à realidade observada na foz, após a
construção das grandes barragens, e embute uma visão
extrativista de que toda a vazão do rio está disponibilizada
para ser retirada. Utilizar tal raciocínio, seria o mesmo
que admitir a morte futura do rio por excesso de retirada.
• Ao contrário, para garantir as condições mínimas do rio,
na foz, o "Pacto de Gestão" das águas da bacia, contida no
Plano de Recursos Hídricos, fixa que a vazão máxima que pode
ser retirada é 360 m3/s, dos quais ainda restam 269 m3/s. É
sobre este saldo existente para todos os usos consuntivos
nos 7 Estados da bacia, que deve ser realizado o calculo:
assim, a transposição pretende retirar não apenas 1%, mas
entre 24% (vazão média) e 47% (vazão máxima).
• Sob o ponto de vista essencialmente econômico, escondem o
fato de que toda a água que chega ao mar passou antes pelas
turbinas, gerando energia elétrica (nos últimos 12 anos, as
exceções foram os vertimentos em fevereiro de 2004 e 2005).
• Sob o ponto de vista sócio-econômico e ambiental, mostram
um desconhecimento da função ecológica destas águas no
próprio curso do rio, foz e zona costeira, além de se
configurar profundo descaso em relação ao sacrifício que já
é imposto ao ecossistema e às populações que dependem do
rio, em conseqüência dos impactos negativos gerados pela
construção e operação das grandes hidrelétricas. Só para
exemplificar, a regularização da vazão do rio está
provocando o avanço do mar no litoral norte de Sergipe,
tendo a erosão já levado à destruição dois povoados (um em
1998 e outro em 2005) na foz do rio São Francisco.
4. Acusações
Empobrece o debate e desrespeita os mais elevados valores
republicanos da sociedade brasileira, qualificar de
"charlatões e egoístas" aqueles que defendem a aplicação da
lei, o respeito ao Plano de Recursos Hídricos, a
sustentabilidade e legítimos interesses da bacia do rio São
Francisco, e que se dedicaram ao aprofundamento do
conhecimento sobre as condições hidro-ambientais e da
complexa gestão da bacia do rio São Francisco e do próprio
projeto de transposição. Tal atitude atinge o Comitê e a
integridade moral e profissional de todos os técnicos e
pesquisadores que têm prestado um valioso serviço ao sistema
nacional de recursos hídricos, negando-se a se calar diante
da pressão exercida pelo Governo Federal para a aprovação
deste projeto,
a qualquer custo.
Seria de se esperar que houvesse maior diálogo na condução
de um projeto que pretende privilegiar uma região, cujos
responsáveis estãosendo alertados pelas maiores autoridades
de diferentes áreas de conhecimento afins de que isto será
feito em detrimento da segurança hídrico-ambiental e do
desenvolvimento de outra (na qual as condições climáticas e
sociais são semelhantes).
Tampouco os defensores do projeto de transposição não
conseguiram demonstrar ser ele urgente e necessário e quais
os seus reais benefícios e beneficiários. No entender do
Comitê, da SBPC, do Banco Mundial e de inúmeros cientistas,
a transposição nunca poderia ser o ato inicial de uma
solução integrada para o semi-árido, mas a última
etapa de um conjunto de ações que deveria começar por uma
efetiva democratização do acesso à água, através da
distribuição do estoque de água já existente, tanto na
região receptora como doadora, pela revitalização da bacia
do rio São Francisco e pelo investimento maciço em soluções
de convivência com a seca para a população dispersa do
semi-árido brasileiro, quase metade dele contido na própria
bacia do rio São Francisco.
Transposições envolvem questões complexas, comprometem toda
a gestão das bacias envolvidas, despertam e acirram
conflitos que tendem a se perpetuar e agravar-se. Por isso
mesmo, não podem ser iniciadas sem ser precedidas da
necessária pactuação, de preferência no âmbito do Congresso
Nacional, a exemplo de outras experiências internacionais.
Com estas convicções, e sempre aberto ao diálogo que é a
essência da gestão democrática do Estado, o Comitê da Bacia
Hidrográfica do São Francisco lamenta que o Governo Federal
tenha iniciado o processo licitatório das obras de
transposição do rio São Francisco sem construir, no âmbito
do pacto federativo, um amplo entendimento que possa reunir
em torno dos mesmos objetivos os Estados Federados que
compõem a Bacia doadora e as bacias receptoras.
A Diretoria do Comitê CBHSF
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